03 outubro, 2025

desaparecer não é tão ruim assim

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Venho conversando apenas com meus amigos na faculdade, e isso porque eu os vejo nas aulas e preciso falar sobre os trabalhos em grupo com eles. Se não fosse por isso, acho que não estaria mantendo contato com ninguém além dos meus pais, já que eu ainda moro com eles. Eu já disse em alguns posts que me isolei um pouco das minhas amizades para começar a cuidar de mim de verdade e entender mais coisas sobre mim, já que minha ansiedade estava atacando mais do que o "normal". Antes, quando eu me isolava de todos, era porque eu sentia que meus amigos já não me queriam mais por perto e que eu não fazia diferença para eles, servia como um mecanismo de defesa. Agora, eu precisei fazer isso porque percebi que eu estava me machucando com esses pensamentos negativos mais uma vez. E não foi para me defender ou fugir, mas foi mais para encarar o problema de frente, pra finalmente enfrentar isso e dar prioridade para mim de uma vez por todas. Mas ainda precisei ficar sozinha pra fazer isso acontecer. Fiquei sozinha, mas percebi que não me senti tão solitária quanto eu estava me sentindo antes, mesmo conversando normalmente com meus amigos. Era como se, mesmo estando por perto deles, eu ainda sentisse que não tinha ninguém ao meu lado. E volto a repetir, ninguém era culpado de eu me sentir assim, nem eu mesma, nem eles.

Porém, hoje (26), depois dessas semaninhas sem conversar com eles, eu comecei a refletir por que eu não conseguia suportar a ideia de me sentir sozinha. Por que eu não suportava imaginar uma vida em que eu não conversasse com todos eles todos os dias e estivesse incluída em tudo o que eles fizessem, ao mesmo tempo em que eu incluía eles na minha vida. E isso obviamente tem raízes na minha infância.

Eu cresci sendo uma criança bem sozinha e, de certa forma, independente. Eu conseguia me entreter, eu conseguia fazer as coisas sozinha, eu conseguia brincar sozinha. Porque meus pais não tinham tempo para fazer isso comigo e me ensinar que eu poderia fazer isso com outras pessoas. Mesmo que eu tivesse contato com outras crianças, eu não precisava delas pra me divertir. Além de que eu sempre fui muito tímida, então eu tive que aprender a fazer essas coisas sozinhas, assim eu não precisaria me comunicar com outra criança pra fazer isso. Claro que eu tinha amizades, mas eu sempre tive dificuldade para me enturmar, isso nunca foi intuitivo pra mim. Eu sempre tive a mim e à minha própria cabeça. Eu fui criada assim, a ser autossuficiente e a minha própria companhia me bastar.

Porque você foi uma criança que se amou muito. Você se deu amor em cada brincadeira, em cada cenário que criou para si mesmo, se deu amor enquanto escrevia em seu diário sobre seu dia e sobre amizades e inimizades que você mesma inventava, enquanto fazia desenhos de mapas do tesouro, se deu amor enquanto brincava de interpretar. Se deu amor enquanto falava sozinha em voz alta opinando sobre a mensagem de redenção que um cantor famoso e problemático queria passar no seu último álbum lançado (e até hoje tenho um carinho gigante por Purpose do Justin Bieber mesmo não gostando tanto dele atualmente), e você só falava sozinha porque, nas tardes após a escola, depois que você já tinha feito todas as lições de casa e já tinha se cansado da televisão, você não tinha ninguém para conversar, porque seus pais trabalhavam e sua avó, que cuidava de você nessas tardes, não sabia muito bem quem era o Justin Bieber ou qual era a graça nas séries sitcom do Disney Channel que você assistia. A maior parte da sua infância você passou rodeado de adultos que estavam ocupados demais para se interessar com mais profundidade pelas coisas que você fazia, gostava ou pensava. Ninguém realmente ouvia o que você tinha a dizer. Então, com toda sua timidez, você aprendeu a ouvir a si mesma, e até o momento aquilo bastava. E quando você cresce e precisa socializar com outras pessoas, tudo isso parece se quebrar.

Porque agora você tem amigos, e agora pode falar com eles mesmo depois da escola. Você não sai nas ruas, mas agora existe a internet, e você pode conversar com eles por lá. E agora tem pessoas que te escutam e respondem. Agora você tem pessoas interessadas nas mesmas coisas que você, e agora você conhece coisas novas de que gosta através dessas pessoas. Conhece filmes novos, artistas de todo o planeta e jogos engraçados. Finalmente você tem alguém e agora não precisa ficar tão sozinha. E essa sensação de ter alguém é tão boa que você quer fazer de tudo para nunca perdê-la. Você quer ser a melhor amiga perfeita. Você já era a filha perfeita que nunca dava trabalho, você já era a aluna perfeita que sempre tinha as melhores notas, você poderia ser a melhor amiga perfeita que sempre agradava. Mas aí você percebe que, o que agrada um amigo, talvez não agrade outro tanto assim. Porque cada um tem seu próprio gosto, personalidade, pensamentos e opiniões. E a qualquer indício de que a pessoa está discordando, ou está chateada ou sentindo algo meramente negativo, você se desespera. Porque, se ela se irritar, talvez você perca todos os seus privilégios de amizade. Você pode perder um ouvinte. Você pode perder aquela pessoa com a qual compartilha tudo. O seu maior medo é a rejeição. E você não quer voltar a conversar sozinha, porque você descobre, ou acha que descobre, que você é uma chata sem graça. Porque agora você conheceu outras pessoas que sabem de outras coisas legais e você acha que elas são muito melhores que você, que elas são superiores por saberem de coisas diferentes. Elas te trouxeram tantas coisas legais e você, que nunca viveu coisas legais porque não tem dinheiro, porque é tímida, porque tem vergonha, você não tem nada a oferecer a essas pessoas. E é por isso que você precisa tanto delas. Porque elas fazem você acreditar que pode ser alguém. Mesmo que você não possa ser você mesma, porque ser você é um saco, você ainda pode ser A Amiga, e isso te bastaria: ser algo pra outra pessoa. Porque você sempre foi isso. Sempre foi A Filha, sempre foi A Aluna. Mas nunca foi você, pelo menos não na frente dos outros. E você só se permitia ser você quando ninguém estava olhando. E quando alguém te pegava cantando, dançando, conversando sozinha, todas aquelas coisas que você fazia sem preocupação com cinco anos de idade, você disfarçava e fingia que não estava fazendo nada. Porque ser você parecia errado. Você se censurava. E fingia que era outra coisa. Porque ninguém gostaria de quem você era de verdade.

Você tinha que agradar e apenas isso. Porque você descobriu, ou pensa que descobriu, que só seria feliz se todos estivessem agradados. E você só poderia viver pela felicidade dos outros. E se os outros estivessem tristes, você estaria triste também. Você se esqueceria de você e só se lembraria de você para se criticar, se julgar, dizer coisas ruins de você. Porque era esse tipo de coisa que você imaginava que os outros enxergariam caso vissem quem você era de verdade. Então você aprendeu a se esconder, se encobrir, a se mascarar. E assumir outra personalidade. A personalidade que queriam ver, que ainda era parecido com quem você era, mas era uma versão que você achava que deveria ser. E assim, as pessoas ouviam o que você dizia, mas você começou a esquecer de ouvir a si mesma. De ouvir suas próprias necessidades. Você dizia o que queriam ouvir, mas você se ouvia quando precisava? Você se negligenciava pelos outros, sem ninguém pedir. Porque você achava que isso era o certo. E quando você fazia algo "errado", era o fim do mundo. Aquele medo da rejeição surgia de novo. E assim, você se permitiu se esquecer. E você não lembrava quem era mais. Você não se conhecia. Você não sabia do que você gostava, não sabia o que você queria e qualquer coisa estava bom. Desde que todos estivessem bem.

Mas você não estava feliz. Pelo menos, não de verdade. Porque, quando alguém tinha uma outra prioridade, quando alguém tinha um outro compromisso, você se sentia jogada de canto. Você sentia que nunca era a prioridade. Você sentia que era a primeira a ser descartada. E talvez você fosse mesmo. Mas será que isso era tão ruim assim? Será que isso significava realmente que seu amigo não ligava tanto pra você e que por isso você não era boa o suficiente? Ou será que só você achava tudo isso? Porque você estava tão focada em dar duzentos-porcento de atenção para todos que, quando não faziam o mesmo por você, você acreditava que ainda não tinha feito o suficiente para merecer o mesmo amor. Porque você só achava que o amor era algo que você deveria se sacrificar para ganhar dos outros. Que você tinha que merecer o amor, e que se você não fizesse tudo certinho, você não seria mais merecedora. Então ninguém poderia demorar a responder sua mensagem por algumas horas porque estava ocupado, porque ela estaria te ignorando de propósito porque você disse algo horrível. Até porque você pararia tudo o que estava fazendo para respondê-la. E se ela não fizesse o mesmo, era porque faltava algo em você. Você era incompleta. Você não merecia ser amada.

Por causa de tudo isso, aquela menininha independente tinha se transformado numa adolescente/jovem carente e dependente emocionalmente. Aquela garota passou a rejeitar a solitude, porque a confundia com solidão. Aquela garota, mesmo gostando de passar um tempo sozinha porque era introvertida, começou a se sentir ansiosa com a ideia de estar sozinha, porque dependia dos seus amigos para se sentir bem consigo mesma. Tinha se tornado uma pessoa que precisava de aprovação, que precisava ouvir o tempo todo que estava tudo bem, que estava fazendo o certo. Mas a verdade era só que eu tinha me cansado de passar tanto tempo sozinha. Eu gosto de ficar sozinha, no meu quarto, na minha casa, gosto de ler livros, assistir séries e aproveitar meu tempo comigo mesma. Mas eu tive que fazer tanto isso na infância, passei tanto tempo tendo que me virar, não porque eu queria mas porque era a única solução, que eu passei a associar a solitude com algo ruim. Era algo que eu fazia não porque queria, mas porque não tinha mais ninguém. Era a única coisa que me restava. Eu mesma. Eu me associei com o resto, com a última instância. Se eu só tivesse isso, se só tivesse a mim mesma, então eu já não tinha mais nada. Eu só queria ter com quem compartilhar minhas coisas. Mas acabei levando isso para um lugar não saudável. Cada conflito ou mínimo desentendimento era o fim, e eu até poderia ter a razão naquela situação, mas eu faria de tudo para compreender o pensamento do outro mais do que o meu. Eu era empática com os outros, mas nunca era comigo. Por isso eu comecei a me julgar mais do que qualquer coisa e foi um agravante para a minha ansiedade e para sintomas depressivos que eu tive. Toda vez eu tinha vontade de desaparecer e começar tudo de novo. Porque ser eu parecia um erro, então eu tinha que recomeçar como outra pessoa.

Mas por que eu só teria uma nova chance caso não fosse mais eu? Eu tinha todas as chances de ser feliz bem na minha frente, e ainda poderia ser eu. Eu sou uma boa pessoa e não preciso desistir de mim e desistir de tudo para me sentir mais feliz, mais leve, mais eu. Eu só preciso tentar, só preciso não desistir de mim. Quando eu desistir de mim aí eu vou saber que tudo estará perdido. Mas enquanto eu tiver eu mesma, eu ainda posso viver bem.

Sabe, acho que não tem nada demais em desaparecer às vezes. Em ficar sozinho um pouco. Em aproveitar sua própria companhia. Em se conhecer mais, em se permitir, se colocar como prioridade sempre na sua vida. Nós precisamos de nós mesmos mais do que imaginamos. E do mesmo jeito que precisamos disso, as outras pessoas também precisam. E se seus amigos estiverem muito ocupados para passar o tempo com você, você sabe que se ama o suficiente para aproveitar sua solitude sem achar que foi jogada de escanteio, ou que ninguém se importa com você. No final você vai ter a si mesmo, e as outras pessoas que vierem são consequência da vida que você vive. Mas para isso, você precisa vivê-la, e não o contrário (ter amigos para viver).

E enquanto escrevo isso, eu me sinto mais preparada para voltar a conversar com as pessoas que eu tanto amo sem ter essas recaídas. Eu ainda estou aprendendo que o amor saudável não vem com toda essa intensidade, e que eu ainda posso me esquentar à beira da fogueira sem me queimar. Não preciso me machucar, sacrificar quem eu sou, para amar, ninguém precisa. Claro que amor muitas vezes se trata de sacrifícios, mas isso sempre parte de ambos os lados. Quando um lado se sacrifica mais que o outro, tem algo de errado. Ou o lado que se sacrifica demais acha que precisa se perder para se encontrar, ou o lado que se sacrifica de menos não ama o suficiente, ou não está disposto o suficiente a se doar tanto a isso mesmo que ame. Para cada caso, um caso. Hoje sei que as amizades que não ficaram eram porque não amavam o suficiente, mas as que ficaram, bem, elas reconhecem meu valor, então já é hora de eu mesma me reconhecer também. Me aquecer sem me queimar. E se esfriar um pouco? Eu ainda tenho uma blusa, um cobertor, uma lareira e uma sopa bem quentinha para mim.

A analogia não foi lá essas coisas, mas tá aí minha conclusão. Sei dos meus "traumas" que me tornaram essa pessoa, mas não preciso ser mais assim. E no final eu descobri que eu me amo. Sim, eu me amo, e ainda é muito estranho dizer ou escrever isso sem me sentir brega, como se eu fosse um garoto de 13 anos que tá sendo amassado por um abraço da mãe na frente da escola inteira, mas é isso aí mesmo: eu me amo, e tô disposta a fazer coisas boas por mim agora, assim como eu sempre fiz coisas boas pelos outros também. Sem pressão ou exageros, desta vez.

Talvez eu precise de um manual, um guia, manifesto, sei lá como chamar isso, mas talvez eu precise de orientações que sempre me guiem quando eu voltar a sentir aquelas coisas negativas de novo, quando os pensamentos voltarem a atacar. Talvez eu escreva algo parecido que me lembre de todas essas coisas que eu refleti. Que me lembre de sempre me priorizar, que me lembre de não ficar vendo coisa onde não tem, ficar imaginando cenários ruins e coisas do tipo, e que a qualquer sinal dessas coisas, eu tire um tempo para mim de novo para respirar e não me sufocar. Vou pensar bem nisso pra talvez virar uma página no meu blog também, de forma que eu possa sempre revisitar esses pontos.

UPDATE 28/09: tentei voltar a falar com minhas amizades no Twitter e deu tudo errado. Passei duas semanas me sentindo bem para abrir aquele site na sexta e no sábado e ficar com a ansiedade atacada e me sentindo mal nesses dois dias. Aí eu decidi desativar minhas contas e me senti melhor. Infelizmente eu já associei uma rede social a coisas ruins de novo. Agora, só consigo conversar com minhas amigas ou pelo Tiktok ou pelo Discord, já que elas não entram muito no Whatsapp, e eu só entro por conta da faculdade e da minha mãe. E infelizmente elas passam mais tempo no Twitter mesmo, então a gente vai acabar se afastando. É inevitável, mas tudo bem. Dessa vez, vou ter que me colocar em primeiro lugar, pra literalmente variar um pouco. E claro que eu tenho outras amizades fora da faculdade e que não usam Twitter, mas também não falo com elas há um tempo. Então, é, sem amizades ou redes sociais por enquanto. Eu acho que realmente me sinto melhor quando é só eu e eu mesma. É mais fácil. Sei que eu tinha que enfrentar essas questões de frente e não "fugir" delas, mas sinceramente? Não acho que estou fugindo. Acho que só estou passando mais tempo comigo mesma. Me entendendo mais, me gostando mais, me cuidando mais. E tá tudo bem também. Se as pessoas sentirem minha falta e vierem atrás de mim, ótimo! Senão, tá tudo certo também. Continuo amando todos os meus amigos, mas não mais do que eu tenho que me amar. Não a ponto de me fazer mal para estar com eles. E acho que é isso a partir de agora. Conviver mais comigo mesma até eu conseguir lidar com todas essas inseguranças que me jogam pra baixo sempre que estou em meio a outras pessoas. Inclusive, acredito que esse vá ser meu último post acerca disso tudo. Mas apenas acho, porque nunca se sabe. Mas me sinto bem comigo mesma o suficiente pra dar atenção a outras coisas além disso. Até mesmo comecei a descobrir coisas sobre mim que eu nunca tinha percebido antes, mas não sei quando e como eu vou poder escrever sobre isso por aqui. Talvez eu só escreva para mim mesma. Mas é isso. Pedra em cima do assunto. E se eu precisar remover a pedra e escrever mais e mais sobre o assunto e voltar com um "eu só acho engraçado que...", eu irei fazer isso. É o processo que preciso passar para me entender e para sentir paz. Mas me sinto muito melhor agora, coisa que achei que não fosse sentir depois de ter ficado ansiosa, mas me senti, e tenho orgulho de mim por isso. Eu tô conseguindo. Aos trancos e barrancos, mas conseguindo, e é o que importa.

UPDATE 03/10: nada mais justo do que eu trazer algumas poucas atualizações sobre isso antes de oficialmente postar, né? Na terça desta semana, meus amigos da faculdade me acharam até mais feliz e animada do que o normal, então acredito que tenha sido um efeito desse meu cuidado maior comigo mesma. E incrivelmente eu me sinto melhor comigo mesma, e mesmo nos dias que foram tristes ou que coisas ruins aconteceram, ou que me deixaram nervosa, eu consegui passar por eles. Claro que na hora eu senti emoções negativas, mas depois de umas horinhas passou, coisa que, se eu estivesse nas redes sociais tentando me distrair ao invés de só escutar o sentimento, deixar ele falar e ir embora quando estivesse satisfeito, eu ficaria remoendo todas essas coisas até eu ficar muito mal e ansiosa. Ou até mesmo ouso dizer, se eu estivesse tão focada nos meus amigos e me negligenciando de novo, eu não conseguiria lidar com as coisas que senti e o resultado final seria o mesmo. Além disso, acho que posso dizer que as coisas ruins estão me afetando menos. Então é, agora eu estou me conhecendo mais, me entendendo mais e me respeitando mais. Hoje, vou responder duas amigas que não falo há um tempão e depois vou ver de combinar com outras amigas de fazermos alguma coisinha no fim de semana. Se nada disso der certo, pelo menos desta vez eu tenho certeza de que vou ficar bem. Que alívio. E bem, no final eu nem desapareci. Quer dizer, posso ter desaparecido do dia a dia dos meus amigos, mas eu sinto que, na verdade, estou aparecendo cada vez mais. Não preciso me apagar mais (na verdade nunca precisei, mas quem ia enfiar essa ideia na minha cabeça?). Agora posso finalmente assinar essa carta gigante para mim e enviar pelos correios.

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